quarta-feira, 12 de maio de 2010

Açaí mal lavado, mesmo congelado, pode transmitir doença de Chagas

Ciência. Estudo inédito liderado pela Unicamp comprova suspeita de que polpa preparada sem cuidados de higiene pode realmente causar o mal, que traz problemas cardíacos. Pasteurização elimina protozoário, mas processo ainda não é obrigatório no Brasil


O protozoário causador da doença de Chagas sobrevive na polpa do açaí mal higienizado, mesmo que o produto seja congelado a -20°C. Somente a correta pasteurização - tratamento térmico que envolve aquecimento e rápido resfriamento -, que ainda não é obrigatória no Brasil, consegue eliminar o microrganismo, concluiu uma pesquisa inédita liderada pela Universidade Estadual de Campinas.


Higienizar corretamente os frutos ainda é o método mais importante de prevenção, destacam os autores do trabalho, realizado via convênio com o Ministério da Saúde. Surtos de transmissão da doença aguda transmitida por meio de alimentos, acentuados a partir da metade da década passada no Norte do País, incentivaram a realização da pesquisa.

O açaí industrializado, consumido nas grandes cidades, passa em teoria pelos processos, dizem os cientistas, e deve ser registrado no Ministério da Agricultura. A pasta informou que, apesar de a legislação nacional ainda não exigir a pasteurização, visitas de fiscais às fábricas têm demonstrado que a maioria das empresas possui máquinas para realizá-la, em razão de exigência do mercado externo.

Por causa disso, informou ainda o ministério, o órgão "avalia a possibilidade de desenvolver estudos sobre metodologias de pasteurização" para a polpa de açaí. A pasteurização já defendida pelo Ministério da Saúde como método anti contaminação de alimentos in natura.

Em nota, a Saúde destacou que o congelamento não é medida preventiva e que o resultado do estudo é preliminar. Disse também aguardar resultados sobre testes com temperaturas mais baixas. Por fim destacou que todos os casos de doença de Chagas por transmissão oral já registrados tiveram origem no consumo do alimento preparado artesanalmente e que até o momento não houve associação com polpas de açaí industrializado. A reportagem não conseguiu localizar representantes dos produtores de açaí.

Comprovação. Segundo destaca Luiz Augusto Passos, do Centro Multidisciplinar para a Investigação Biológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estudo, publicado na revista Advances in Food and Nutrition Research, é o primeiro a comprovar efetivamente que a polpa do fruto pode transmitir a doença. "Não havia dado que mostrasse que essa via era factível", disse o cientista, que trabalhou ao lado de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de São Paulo.

A doença de Chagas é uma doença infecciosa febril causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi. Pode ser adquirida por meio do contato direto com as fezes do inseto chamado barbeiro e causa problemas cardíacos e digestivos.

No caso da transmissão oral, em razão da higiene inadequada, fezes ou o próprio inseto são processados junto com a polpa e ingeridos pela população.

Só no ano passado, o Brasil registrou 226 casos da doença, a maioria deles no Pará e, calcula-se, 80% ligados ao consumo de alimentos, principalmente o açaí. "O que essa pesquisa traz é um reforço a uma ideia que a saúde vinha propagando, a de que não se pode achar que o congelamento resolve o problema", declarou Elenilde Góes, coordenadora do Programa de Doença de Chagas do Pará. "E de que é preciso cuidado na manipulação do fruto", continuou.

Segundo Elenilde, em 2007, no Pará, fabricantes assinaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), junto com o Ministério Público, em que se comprometiam a pasteurizar o produto. "Mas, como o Ministério da Agricultura não recomenda a pasteurização, não é realidade que todos estejam fazendo."

De acordo com Passos, da Unicamp, o estudo pretendia verificar se o protozoário sobreviveria na polpa e se ainda estaria presente em temperaturas diversas: na ambiente, na do freezer doméstico (de -4°C) e a -20°C, utilizada em processos industriais.

Uma cepa do protozoário foi usada para contaminar amostras de polpa. Depois, os cientistas utilizaram um método de filtragem para separar apenas a parte líquida da polpa, mais fácil para a detecção do protozoário. Ele estava vivo nas diferentes temperaturas. Em seguida, os autores contaminaram camundongos com os protozoários encontrados para ver se os bichos desenvolveriam doença de Chagas aguda. A resposta foi positiva.

Fonte: www.estadao.com.br

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